sábado, janeiro 17, 2015

Os Senhores das Guerras

O megacowboy, vestindo armadura de carapaças de armadillo à prova de tiro, divide o mundo em adeptos do mal e cruzados do bem.

Revestindo uma couraça de raios laser à prova de bazucas, não ouve o clamor dos pais da pátria, ignora a biblioteca de Jefferson, ele próprio, arquiteto de sua mansão numa época em que se chegou a pensar em adotar o grego clássico, em vez do inglês, como idioma da nova república que antecipou a revolução francesa, que inspirou os libertadores da hispano-américa e os inconfidentes de Minas.

O megamacrosuperherói do bem não está interessado em ouvir mais nada. Nem repara quando Martin Luther King apresenta afro-condolências a uma afro-americana condoleezza verde-hira ferrúgeo-parda como a estátua da liberdade vista de perto.

O supermacromegacowboy vestido de "mariner" chegou ao limite. 
Seus olhos azuis são um frio risco de aço: basta de ônus onerosas e inoperosas!
Basta de franceses amolecidos e decadentes e de alemães desleais!

Vênias dadas ao trêfego blair e aos dois porta-vozes de eurodireita: o asinino Aznar, ostentando as medalhas do generalíssimo, e o mafioso Berlusconi, com bufos esgares de Mussolini.

Os dois olhos azuis são agora um único risco de aço.

O dedo no comando está prestes a apertar o botão. O ar tem um ataque cardíaco.

A primeira bomba, como um ovo de assombro, tomba lá onde foi o Zigurat de Babel, ali onde a rainha Semíramis passava tardes amenas e odorantes em seus jardins suspensos.

 Haroldo de Campos

sexta-feira, janeiro 16, 2015

Maria era a praia que eu frequentava certas manhãs. Meus gestos indispensáveis que se cumpriam a um ar tão absolutamente livre que ele mesmo determina seus limites, meus gestos simplificados diante de extensões de que uma luz geral aboliu todos os segredos.
Maria era sempre uma praia, lugar onde me sinto exato e nítido como uma pedra - meu particular, minha fuga, meu excesso imediatamente evaporados. Maria era o mar dessa praia, sem mistério e sem profundeza. Elementar, como as coisas que podem ser mudadas em vapor ou poeira.
Maria era também uma fonte. O líquido que começaria a jorrar num momento que eu previa, num ponto que eu poderia examinar, em circunstâncias que eu poderia controlar. Eu aspirava acompanhar com os olhos o crescimento de um arbusto, o surgimento de um jorro de água.
Maria não era um corpo vago, impreciso. Eu estava ciente de todos os detalhes do seu corpo, que poderia reconstituir à minha vontade. Sua boca, seu riso irregular. Todos esses detalhes não me seria dificil arrumá-los, recompondo-a, como num jogo de armar ou uma prancha anatômica.
Maria era também, em certas tardes, o campo cimentado que eu atravessava para chegar em algum lugar. Sozinho sobre a terra e sob um sol que me poderia evaporar de toda nuvem.
Maria era também uma árvore. Um desses organismos sólidos e práticos, presos à terra com raízes que a exploram e devassam seus segredos. E ao mesmo tempo lançados para o céu, com quem permutam seus gases, seus passáros, seus movimentos.
Maria era também a garrafa de aguardente. Aproximo o ouvido dessa forma correta e explorável e percebo o rumor e os movimentos de sonhos possíveis, ainda em sua matéria líquida, sonhos de que disporei, que submeterei a meu tempo e minha vontade, que alcançarei com a mão.
Maria era também o jornal. O mundo ainda quente, em sua última edição e mais recente.
Maria era também um livro susto de que estamos certos, susto que praticar, com que fazer os exercicíos que nos permitirão entender a voz de uma cadeira, de uma cômoda; susto cuidadosamente oculto, como qualquer animal venenoso entre folhas claras e organizadas dessa floresta numerada que leva dísticos explicativos: poesia, poemas, versos.
Maria era também a folha em branco, barreira oposta ao rio impreciso que corre em regiões de alguma parte de nós mesmos. Nessa folha eu construirei um objeto sólido que depois imitarei, o qual depois me definirá. Penso para escolher: um poema, um desenho, um cimento armado - presenças precisas e inalteráveis, opostas a minha fuga.
Maria era também o sistema estabelecido de antemão, o fim aonde chegar. Era a lucidez, que, ela só, nos pode dar um modo novo e completo de ver uma flor, de ler um verso.
João Cabral de Melo Neto,

quinta-feira, janeiro 15, 2015

Nunca estivemos tão próximos do fim da pobreza como agora. Eu lhes asseguro: homem pobre está desaparecendo.
Sobre o autor: Herbert Hoover - Presidente dos Estados Unidos entre 1929 e 1933, é lembrado como um dos piores presidentes da história do país.

quarta-feira, janeiro 14, 2015

Uma nuvem grávida, crespa e suave como uma ovelha?
Ou, quem sabe, água chovida das montanhas, água dos charcos?
Água dos charcos, abandonada aos cães?
Ou quem sabe, uma légua de mar, talvez um lago?
A água cai e corre. A água corre. Passa.
Ninguém a possui. Ninguém.
Podes vender-me terra?
A profunda noite das raízes, dentes de dinossauros,
A cauda espessa de um longínquo esqueleto?
Podes vender-me selvas, selvas já sepultadas, aves mortas,
Peixes de pedra, enxofre dos vulcões,
Milhões e milhões de anos em espiral crescendo?
Podes vender-me terra?
Podes vender-me?
Podes?
A tua terra é terra minha, todos os pés se apoiam nela.
Ninguém a possui. Niguém!
  Nicolás Guillén

terça-feira, janeiro 13, 2015

Separados pela língua, pela política e pela história de seus colonizadores, tem em comum uma memória coletiva. Eles aprenderam que do utensílio o branco sabe tudo. Mas o utensílio apenas arranha a superfície das coisas, desconhece a duração, ignora a vida.
Já a negritude, ao invés, é uma compreensão por simpatia.
O segredo do negro é que as fontes de sua existência e as raízes de ser são idênticas. O negro sabe que plantar é engravidar a terra. Depois cumpre ficar imóvel, espiar, por que ele, homem, cresce ao mesmo tempo que seus cereais.
Se labor em África, é a repetição de ano em ano do coito sagrado.
As técnicas contaminaram o homem branco, mas é o negro o grande macho da terra, o esperma do mundo.

Jean-Paul Sartre 

segunda-feira, janeiro 12, 2015

Isto é Brasília. Brasília, o poder. A linha do horizonte separa o palácio do Brasil. Do Brasil que tem fome; das terras sem semente; dos meninos sem mestre; dos enfermos sem remédio; dos trabalhadores sem ferramenta; dos moribundos sem esperança e das crianças que nascem para um futuro melhor.

domingo, janeiro 11, 2015

 O pensamento a vida e o tempo
O pensamento é escravo da vida e a vida o bobo do tempo, e o tempo que toma conta do mundo inteiro um dia há de parar.
 William Shakespeare