sábado, dezembro 27, 2014

Eu não invejo a vastidão do mundo. Que o mundo não possa compreender-me, não depende de mim. Quem sabe só eu compreenda.  Que a nossa janela comum não quer dizer que eu lhe pertença. O mundo me pertence sim, mas nossos olhares diferem.  Ele apenas me supõe, eu, EU,eu o vejo

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Instruções para dar corda no relógio 


Lá no fundo, lá no fundo está a morte, não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, como um moleque, o tempo vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, o perfume do pão, a sombra de uma mulher. 
Que mais você quer, o que mais você quer?
 Que mais você quer, o que mais você quer? 
Amarre-o depressa a seu pulso, deixe-o bater em liberdade. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pôde ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o sanguefrio de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se corrermos, e chegarmos antes nós compreenderemos que a morte não tem a menor importância.
Julio Cortázar  

quinta-feira, dezembro 25, 2014

Para quem pensa que o Natal e do Papai Noel 
# Fica a dica

Monólogo do Natal 
                                                                                 Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade, 

jogavam pedra nessa fantasia. 

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz, 

sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente 

e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou. 


Dias depois, meu pobre pai, cansado, 
trouxe um trenzinho feio, empoeirado, 
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou: 

“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção. 


Alegre e inocente nesse caso, 
eu pensei que meu bilhete com atraso, 
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, 

ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. 


O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco: 

“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”. 


Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
como quem não quer abandonar 
um mimo que nos deu, quem nos quer bem, 
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”. 


Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou

ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou. 

Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido, 

para não me ver assim desiludido, 
comprou por qualquer preço uma ilusão,
num gesto nobre, humano e decisivo, 
foi longe pra trazer-me um lenitivo, 
roubando o trem do filho do patrão. 

Pensei que viajara,
no entanto 
depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia, 

entrou na cela e o libertou pro céu.
No Natal os filhos crescem
Os filhos crescem. Aquela coisa mais querida do mundo de repente tem opinião, derrama por querer a sopa toda, não para de chorar de pura raiva.
Os filhos crescem. Eles querem entrar no grupo que os não quer, pedem briga, dão gritos pela rua a clamar eu sou eu por não saber quem são.
Os filhos crescem e ficam diante de si como num ringue. Vão se bater até beijar a lona? Se duvidarem, vão.
Os filhos crescem. Desenha-se a existência em cada um, os pais ficam olhando, que fazer? E mesmo quando acertam, o que é que muda?
Os filhos crescem e não adianta querer dar tudo, nem a alma. Eles desejam outras almas, eles são outros.
Os filhos crescem. Sem ler nossos romances para eles, se metem em capítulos inéditos. Já não são nós, se sentem vitoriosos. E continuamos eles...
 Paulo Hecker

quarta-feira, dezembro 24, 2014


Mude - Edson Marques



Ó ideal,
Que estás no meu céu interior, Verdade viva, Que faz minha alma Imortal,
Para que tua tendência Evolutiva. Seja realizada,
Para que teu nome, Se afirme pelo trabalho, Para que tua revelação
Seja manifestada a cada Espetáculo,
A cada espetáculo concede-me A ideia criadora,
Que assim como ela está Entendida no meu coração Seja entendida no meu corpo.
Ó ideal, Preserva-me dos reflexos Da matéria,
Que eu compreenda Que o sofrimento benfeitor Está na origem da minha Encarnação.
Livra-me do desespero E que teu nome seja Santificado
Pela minha coragem  Na prova.
Ó ideal, Faze com que eu Não diferencie
O fracasso do sucesso.
E perdoa a minha Dificuldade de comunicação,
Assim como eu perdoo Os que não têm ouvidos
De ouvir Nem olhos de ver.
Ó ideal, Destrói meu orgulho, Que poderia afastar-me Da tua luz-guia,
Nutre meu devotamento, Porque és,
Ó ideal, A realeza, o equilíbro, a força Da minha intuição.
Plínio Marcos

terça-feira, dezembro 23, 2014

Tédio
Você sabe tão bem quanto eu que uma das principais causas do tédio é a estreiteza de nosso destino.
Todas as manhãs despertamos iguais ao que éramos na véspera.
Ser eternamente o mesmo é insuportável para os espíritos refinados pela reflexão.
Sair do próprio eu é um dos sonhos mais inteligentes que um homem pode ter.
 Julien Green

segunda-feira, dezembro 22, 2014

Estou procurando. Estou procurando. Estou tentando entender.Tentando passar a alguém o que vivi até agora, e não sei a quem. Mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi. Confesso que tenho medo dessa desorganização profunda que existe em mim..
 Clarice Lispector

domingo, dezembro 21, 2014

O amor é horrível em si mesmo porque não tem regras. E mesmo você, que hoje não está sentindo nada de horror, vai sentir esse horror.