sábado, outubro 04, 2014

Sábado...tem bananada..tem sim senhor
Toda vez que se inaugura um palco os deuses do teatro ficam contentes e festejam! Não porque ganharam um novo templo, são deuses humildes, não querem ser adorados nem gostam... Mas porque sabem que assim os homens ao redor serão mais felizes. Terão ali a oportunidade rara de assistir à própria grandeza, de ver espelhada ali a sua própria grandeza. Ali serão vividas grandes amizades e amores. Ali todos trabalharão juntos, criando acontecimentos que jamais ocorreriam sem o palco. O palco sabe que não é apenas tábuas no chão, que é um gerador de significados. Ali é o lugar onde a imaginação ficará livre, sendo a imaginação o único campo onde um homem é realmente livre. Ali serão discutidos os problemas da comunidade, porque o palco sempre foi a melhor tribuna. Ali homens diante de homens falarão de sua alma, discutirão e compartilharão alegrias e tristezas como se fossem um só. Trabalharão alegremente por um mundo melhor, mais solidário. Inaugurar um teatro é criar uma ilha de liberdade, de lucidez, de solidariedade. Nada une mais as pessoas do que o teatro. Não é apenas um local de diversão, é isso também, mas principalmente é um lugar de reflexão, de descoberta, da revolução e do encontro com o outro.
Domingos de Oliveira                  

sexta-feira, outubro 03, 2014

Venham leis e homens de balanças,
mandamentos d'aquém e d'além mundo.
Venham ordens, decretos e vinganças,
desça em nós o juízo até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos à vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos.
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
relógios a marcar a hora exacta.
Não aceitem nem queiram outra arte
que a prosa de registo, o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.
José Saramago

quinta-feira, outubro 02, 2014

Eu sou como um circo de lonas estragadas
Onde o palhaço já não faz mais rir
Onde o trapézio há muito está parado porque o medo foi morar ali.
Eu sou como um circo de lonas estragadas
Em que a banda já não quer tocar
Onde as jaulas se restaram abertas porque nem bicho se deixou ficar.
Eu sou como um circo de lonas estragadas
Sem ter mais público para aplaudir
Temendo aqueles que atiram facas
Temendo tudo que lhe quer ferir.
Eu sou como um circo de lonas estragadas
Sem alegria qualquer, sem emoção.
No entanto, existe aquela corda bamba
Onde balança o meu coração.


 Mabel Veloso

quarta-feira, outubro 01, 2014

O Direito a Preguiça

Vivemos um culto ao trabalho que é a negação do bem estar. Então publico aqui dez trechos de um clássico que combate esse culto, O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue. Que era genro do Marx, mas isso não vem ao caso. Foi escrito em 1880, mas tem uma estranha atualidade.
Lafargue francês, e seu livro foi uma resposta a um outro que proclamava o Direito ao Trabalho.

1) “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”

2)”O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais.”

3) ”Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses.”

4) ”Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade.”

5) ”O provérbio espanhol diz: Descansar es salud (Descansar é saúde).”

6) “A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.”

7) “Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o que fez a vida bela e digna de ser vivida.”

8) ”Que se proclamem os Direitos da Preguiça, milhares de vezes mais nobres e sagrados do que os tísicos Direitos do Homem; que as pessoas se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar no regabofe o resto do dia e da noite”

9) “O trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já atacou a humanidade.”


10) “A paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua produtividade empobrece-os.”
pragmatismopolitico.com.br

terça-feira, setembro 30, 2014

Isto que eu estou sentindo pode-se chamar felicidade.
Só que a própria felicidade é temor, susto, apreensão.
Não dá pra dar felicidade, mas eu gostaria de lhes dar como uma flor.
Deus não me puna os pecados, neles já vem o castigo.
Pecados de egoísmo, indecisão, deixar morrer de fome e comer,
amar demais e não saber amar.
Eu sinto nos ombros a culpa do mundo mas sozinho sucumbo.
Eu choro no cinema.
Paulo Hecker Filho

segunda-feira, setembro 29, 2014

O que não tenho é desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

 Manuel Bandeira

domingo, setembro 28, 2014

Entre o autor e o público, posta-se o intermediário.
E o gosto do intermediário é bastante intermédio, medíocre.
Medianeiros médios pululam nos meios, onde, galopando, teu pensamento chega.
Um deles considera tudo sonolento:
"sou homem de outra têmpera! perdão", e repete um só refrão:
"O público não compreenderá".
Camponês, só viu um faz tempo, antes da guerra.
Operários, deu com dois, uma vez, numa ponte, vendo subir a água da enchente.
Mas diz que os conhece como a palma da mão. Que sabe tudo o que querem!
Aqui vai meu aparte: chega de chuchotar bobagens para os pobres. Também eles, podem compreender a arte. Logo, que se eleve a cultura do povo!
Uma só, para todos.
 Wladimir Maiakovski