sábado, outubro 25, 2014

Entretidos em discutir a morte, anoiteceu e não acendemos a luz.
Não víamos o rosto um do outro.
Com doçura e sem fervor, a voz de Macedonio Fernandez repetia que a alma é imortal.
Garantia que a morte não é nada.
Morrer tinha que ser o menos importante que pode acontecer a um homem.
Eu, Jorge Luis Borges, brincava com a navalha de Macedonio: abria e fechava.
Um acordeom, numa casa vizinha, despachava "la cumparsita", essa choradeira infinita e consternada de que muita gente gosta porque inventaram que é velha.
Então, para podermos continuar discutindo em paz a imortalidade, propus a Macedonio que nos suicidássemos.
Francamente, não lembro se nos suicidamos naquela noite. 

Jorge Luis Borges 

sexta-feira, outubro 24, 2014

O inicio o meio e o fim
Um fato marcou a minha vida para sempre: eu nasci!... 
O resto foi uma mera sequência de acontecimentos, que já é passado.
Neste instante, vivo o presente (que ainda não é fato), que está sendo feito, que pulsa no ritmo 
do meu coração, que passa na velocidade do meu pensamento, 
cheio de lembranças, sonhos e, desejos... Tudo tão efêmero quanto a própria existência. 
Outro fato irá selar a minha vida...
Então, o mundo já não existirá para mim.

quinta-feira, outubro 23, 2014

O sempre será.
Já tinha sido. Portanto, é como se fosse. Não ser mais... Não quer dizer nada. Se é, é e pronto. se foi, já foi. A realidade está aí, à vista de todos. Não há porque desconfiar. É tudo muito simples para se tornar Complicado. Há que aceitar os fatos Como são. Se são, são. Se não são, não são!... Mas, cá entre Nós, eles podem ser como se fossem Ou como poderiam ter sido. E é esse, exatamente,o nosso caso!Já tinha sido. Portanto, é como se fosse. Não ser mais... Não quer dizer nada. Se é, é e pronto. se foi, já foi. A realidade está aí, à vista de todos. Não há porque desconfiar. É tudo muito simples para se tornar Complicado. Há que aceitar os fatos Como são. Se são, são. Se não são, não são!... Mas Já tinha sido. Portanto, é como se fosse. Não ser mais... Não quer dizer nada. Se é, é e pronto. se foi, já foi. A realidade está aí, à vista de todos. Não há porque desconfiar. É tudo muito simples para se tornar Complicado. Há que aceitar os fatos Como são. Se são, são. Se não são, não são!... Mas, cá entre Nós, eles podem ser como se fossem Ou como poderiam ter sido. E é esse, exatamente,o nosso caso!, cá entre Nós, eles podem ser como se fossem Ou como poderiam ter sido. E é esse, exatamente,o nosso caso!

Fernando Aguiar

quarta-feira, outubro 22, 2014

A guerra é boa.
Não chore, garota, por causa da guerra. Ela é boa. Porque seu namorado ergueu o braço para o céu e o assustado corcel desgarrou-se sozinho, não chore. A guerra é boa. Poucos tambores retumbantes do regimento, pequenas almas com sede de luta. Estes homens nasceram para treinar e morrer. Inexplicável glória paira sobre eles. Grande é a batalha de Deus, grande é seu reino, onde jazem cadáveres aos milhares. Não chore, criança, pela guerra. Ela é boa. Porque seu pai tombou nas pálidas trincheiras, roto em seu peito, golpeado e morto, não chore. A guerra é boa. Ágil bandeira flamejante do regimento, águia com penacho vermelho e dourado. Estes homens nasceram para treinar e morrer. Mostre-lhes a virtude do massacre, faça-lhes planejar a excelência do matar, e o campo onde jazem cadáveres aos milhares. Mãe cujo coração se pendura humilde como um botão sobre o brilho esplêndido da mortalha do filho, não chore. A guerra é boa.
Stephen Crane

terça-feira, outubro 21, 2014

O tempo
O tempo é indivisível. Diz,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!

 Mário Quintana

segunda-feira, outubro 20, 2014

Nosso dia de cada dia
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceite o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe. 
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. 


Clarice Lispector

domingo, outubro 19, 2014

O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas.
Alberto Caeiro