sábado, dezembro 06, 2014

Início dos anos sessenta, no dia em que os franceses evacuaram Argel, abandonando a cidade à sua própria sorte. A população invade as ruas e chega, em sua caminhada alegre e errante, à estação de televisão. Os estúdios escancarados e o equipamento esparso não queriam dizer nada à multidão. Até que, sem querer, alguém liga uma câmera e uma imagem surge na tela do monitor. Os manifestantes reconhecem seus rostos, divertidos e encorajados e começam a brincar de imitar a televisão. Logo deduzem que a imagem vista no monitor era vista na cidade e, quem sabe, em toda Argélia. Eles podiam, enfim, se mostrar aos outros. Então, cantam, dançam e dizem poesias freneticamente!...
A festa desenfreada termina com a chegada da polícia e do exército. Os soldados desligam as câmeras, expulsam a multidão e, para afirmar seu domínio sobre a televisão pública, lacram os estúdios. E terminou assim a única experiência de que se tem notícia de uma televisão autenticamente popular.
 Andrzej Wajda

sexta-feira, dezembro 05, 2014

É espantosa a velocidade com que avança o mundo. Não se sabe bem pra onde. Pra tragédia talvez, mas que avança, avança.
Imagine o que é pra mim, que sou do tempo em que o primeiro ministro da Dinamarca ia ao palácio de bonde, ler nos jornais sobre o smart truck, é, smart truck. Caminhão esperto em português. Smart truck é caminhão esperto. É um carro desenvolvido pelo exército americano para proteger autoridades de presumíveis ataques terroristas. Pura tecnologia de guerra. Tem de tudo para mandar pelos ares os que se aproximarem dos poderosos. Seu grande charme, que ainda um dia conquistará os mercados do terceiro mundo, é um dispositivo a laser que lança granadas pelo teto, a uma distância de até quinhentos metros. Uma verdadeira catapulta eletrônica no sentido inverso. Quinhentos metros!
Para as necessidades de nosso consumidor moderno, daquelas pessoas determinadas que sabem o que querem, quinhentos metros até que é muito, pois é a uma distancia muito menor que se encontram essas crianças que pedem migalhas nas ruas.

quinta-feira, dezembro 04, 2014

Não, não é cansaço…
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo…
Não, cansaço não é…
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como…
Sim, ou por sofrer como…
Isso mesmo, como…
Como quê?…
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

 Álvaro de Campos

quarta-feira, dezembro 03, 2014

Hoje e Sempre
A virtude deve desaparecer de novo e tornar-se inocência.

terça-feira, dezembro 02, 2014

Índios
Os índios fascinam a gente porque são anteriores ao tempo.
Ao que parece, eram nômades natos.
Banhistas contumazes. Mulherengos.
Como todos os povos que atingiram um alto nível de civilização, os índios eram irrevogavelmente distraídos.
Não costumavam trabalhar. Já que não lhes apetecia comprar nem vender, qualquer trabalho resultava-lhes supérfluo.
E os índios desprezavam o supérfluo, ao contrário de nós próprios que, fabricando diariamente milhares de objetos, acabamos por desembocar na guerra, máquina de matar homens e de... Incinerar objetos.
É um erro pensar que o índio prefere a nossa civilização!
Antonio Callado
Índios
Legião Urbana
Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha

Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda

Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente

Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer

Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente

Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi

Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes

Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado

Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui

segunda-feira, dezembro 01, 2014

Dias de luta.
Só depois de muito tempo
Fui entender aquele homem
Eu queria ouvir muito
Mas ele me disse pouco...
Quando se sabe ouvir
Não precisam muitas palavras
Muito tempo eu levei
Prá entender que nada sei
Que nada sei!...
Só depois de muito tempo
Comecei a entender
Como será meu futuro
Como será o seu...
Se meu filho nem nasceu
Eu ainda sou o filho
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois?
Cantar depois!...
Se sou eu ainda jovem
Passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois?...
Só depois de muito tempo
Comecei a refletir
Nos meus dias de paz
Nos meus dias de luta...
Se sou eu ainda jovem
Passando por cima de tudo
Se hoje canto essa canção
O que cantarei depois?...(2x)
Cantar depois!...
Esta estrada onde eu moro, entre duas voltas do caminho, Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem. Todo mundo é igual. Todo mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única. Até os cães.
Estes cães da roça até parecem homens de negócios: Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar: Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos, Que a vida passa! Que a vida, a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

 Manuel Bandeira

domingo, novembro 30, 2014

Um dia desses...num desses encontros casuais eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tive tempo de chorar, sonhe todos os sonhos que não tive tempo de sonhar, e ame tudo que não tive tempo de amar...

Ideilson

Ilha das Flores 2012


No dia 21 de abril, o Atos foi mais uma vez à Ilha das Flores, desta vez para participar de um censo social para conhecer melhor a realidade dos moradores da ilha, local de atuação do IDE – Instituto de Educação e Desenvolvimento Humano, Assim, nós do Atos juntamente com outros voluntários, visitamos várias residências, conversando com os moradores e levantado dados.
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As “atas” se preparando para entrevistar os moradores da Ilha
A Ilha carece de educação, saúde, saneamento básico, posto de saúde, mais horários de ônibus, e assim por diante. Mas no meio desses problemas generalizados, existem pessoas reais que estão sofrendo muito. Fomos
grandemente impactados, ao nos deparamos com a realidade dessas pessoas em primeira mão. Visitamos algumas casas que só tinham um cômodo. Em uma delas moravam a mãe e 4 crianças pequenas, e como só havia um colchão, a mãe jogava as roupas no chão para que todos pudessem em que dormir. Também ficamos pensando como seria passar o inverno ali, visto que as frestas nas paredes são muitas e o telhado é precário. Numa das casas em que estávamos, chovia pra dentro através de goteiras, e nos molhamos praticamente o mesmo que se estivéssemos do lado e fora. Além disso, os terrenos são muito sujos e as necessidades fisiológicas são jogadas atrás da casa, pois não há banheiros nas residências. Muitas pessoas adoecem como conseqüência da miséria e da falta de higiene. A educação também deixa muito a desejar, conhecemos uma menina na quinta série que além de não saber ler, não sabia a data próprio aniversário.
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Nesta casa de uma peça única moram, uma vó, três filhas, um genro e uma netinha.
A visita à Ilha das Flores foi uma experiência marcante, sem dúvidas, ao entramos em contato com uma realidade tão distante da nossa. Nas palavras de uma aluna: “Nunca me deparei com alguém que tem AIDS. Isso me deixou um pouco chocada e me deu uma vontade grande de ajudar essas pessoas, e falar palavras de conforto, de cuidar daquelas crianças que foram abusadas sexualmente; A cada experiência que tenho vivenciado no Atos tenho me importado mais com as pessoas que precisam, saído um pouco do meu mundinho egoísta.” E nas palavras de outra: “Fiquei com a sensação de impotência, e a certeza que o evangelho precisa ser anunciado. […] Deus pode mudar qualquer situação, mas Ele deseja nos usar para isso. E como é bacana ver o pessoal do IDE que tanto se esforça para mudar a realidade da Ilha. Enquanto estava lá, dentro de uma das casas, vi que minha ingratidão é brutal, de grande profundidade. Quantas vezes murmurei sem ter motivos significativos pra isso. Será mesmo que posso reclamar? Que Deus tenha misericórdia de mim.”
Fontehttp://doatos.wordpress.com/2012/05/04/ilha-das-flores-2012

As flores morrem

Ilha das Flores é um curta-metragem de cerca de 10 minutos, escrito e dirigido, em 1989, pelo cineasta Jorge Furtado.