sábado, fevereiro 13, 2016

O barro é a palavra
que te devolve a inocência perdida
o teu passaporte para a criatura.
O teu modo de dizer o que as pessoas
não te disseram nunca.

O barro é a matéria do teu canto
o ouro de tua botija
o amálgama de tua cárie
o salário do teu anonimato
teu sortilégio e tua perdição.

O barro é teu sangue coagulado que teima em protestar
o teu mistério se consumindo
o teu sapato estraçalhado na diáspora
o teu chapéu de luto
a tua solidão de olhos fitos na vida.



 FRANCISCO CARVALHO

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

"Estou convencido de que se alguns Extraterrestres Desembarcassem amanhã no Brasil, haveria experts, Jornalistas, especialistas e Analistas de toda espécie para Explicar às pessoas que, no Fundo, não é uma coisa tão Extraordinária assim, que já Se tinha pensado nisso, que Até já existia há muito tempo Uma comissão especializada no Assunto. E, sobretudo, que Não há porque se afobar, pois Isso é problema do governo." 

 Félix Guattari

quinta-feira, fevereiro 11, 2016

O auge de uma paixão está sempre no começo dela.

Edson Marques

quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Tudo mudou. Homens, coisas e animais mudaram de lã ou de pele. As palavras já não são as mesmas do tempo em que estudávamos gramática com os olhos míopes das professoras. Nádegas e pernas das mestras – objeto direto do nosso desejo – ofuscavam o interesse pela didática. Olho o mundo de todos os ângulos possíveis e tudo me parece oblíquo. É a civilização globalizada, a cultura de massa, a sagração do factóide, a fragmentação dos idiomas. Corta-se a palavra em frações microscópicas. A vida, o amor, a morte, a realidade:
tudo agora virou fast food.

Francisco Carvalho

terça-feira, fevereiro 09, 2016

Reclamar ou posso


Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã.

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão.

Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos celebrar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso - com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção.

Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão.

Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera -
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição

Link: http://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/perfeicao-com-trecho-da-musica-ao-vivo.html#ixzz3zcsV7WZL

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Conheça Francisco Carvalho.

O BICHO HOMEM

Que bicho é o homem 
de onde ele veio 
para onde vai? 
Onde é que entra 
de onde é que sai? 

Que raio lhe acende 
a chama da fúria? 
O que é que sobra 
da cesta básica 
de sua penúria? 

Que bicho é o homem 
do que se enfeita? 
Que mão o ampara 
no chão de enigmas 
em que se deita? 

Que bicho é o homem 
que mama no seio 
da reminiscência? 
E que embala a morte 
em seu devaneio? 

Que bicho é esse 
que carrega o fardo 
de uma dor medonha? 
Que sucumbe ao charco 
mas ainda sonha? 

Que bicho vagueia 
na treva hedionda? 
Que pantera esguia 
será mais veloz 
do que a própria sombra? 

O homem que tece 
as malhas da lei. 
Que bicho é o homem 
que transforma em pêssegos 
as fezes do rei? 

Que bicho é o homem 
que ama e desama 
que afaga e magoa? 
E que às vezes lembra 
um anjo em pessoa? 

O homem que vai 
para a eternidade 
num saco de lixo. 
Que bicho é o homem 
de salário fixo? 

Que bicho é o homem 
que trapaceia? 
Que às vezes pensa 
Que é mais brilhante 
do que a papa-ceia? 

Que bicho é esse 
que escreve as vogais 
das cinzas do pai? 
— De onde ele veio 
e para onde vai? 

Que bicho é o homem 
que se interroga? 
léguas de volúpia 
sonhos e utopias 
tudo se evapora? 

Que bicho é o homem 
de argila e colostro 
que lavra e semeia? 
mas só colhe insônias 
em lavoura alheia? 

Os rastros do homem 
no vento ou na água 
são rastros de fera. 
Mas que bicho é esse 
que se dilacera? 

O homem suplica 
os deuses concedem. 
Que bicho é o homem 
que sempre regressa 
às praias do Éden? 

Que bicho é o homem 
que escreve poemas 
na aurora agônica 
e depois acende 
a fogueira atômica? 

Que bicho te oferta 
um ramo de rimas 
e à sombra dos mortos 
semeia gemidos 
por sete Hiroximas? 

Que bicho te espreita 
aos olhos dos becos 
onde os cães insones 
mastigam as sombras 
dos antigos donos? 

Que bicho é o homem 
que rasteja e voa 
que se ergue e cai? 
— De onde ele veio 
e para onde vai? 

Que bicho é o homem 
de onde ele veio 
e para onde vai? 
Onde é que entra 
de onde é que sai?

Para ouvir o poema musicado acesse.

domingo, fevereiro 07, 2016

ESTUDO

Subitamente descobrimos o acaso 
na nuvem que passa pelo pássaro 
ou no pássaro que soturnamente percorre a nuvem. 

De repente aprendemos a flor das coisas 
e os seus movimentos na paisagem. 
De repente trocamos a imagem pela paisagem 
a palmatória pela parábola. 

De repente descobrimos que os espelhos nos evitam 
que o amanhã pertence aos outros 
que da janela somos observados 
por super-homens de celulóide. 
De repente é o metal do amor que silencia 
no coração onde tudo é paisagem. 

Subitamente compreendemos 
que as palavras envelhecem com os homens 
que o amor também envelhece 
quando as palavras envelhecem.