sábado, julho 11, 2015

Ah, não poder tirar de mim os olhos,
Os olhos da minha alma [...]
(Disso a que alma eu chamo)
Só sei de duas coisas, nelas absorto
Profundamente: eu e o universo,
O universo e o mistério e eu sentindo
O universo e o mistério, apagados
Humanidade, vida, amor, riqueza.
Oh vulgar, oh feliz!  Quem sonha mais,
Eu ou tu?  Tu que vives inconsciente,
Ignorando este horror que é existir,
Ser, perante o [profundo] pensamento
Que o não resolve em compreensão, tu
Ou eu, que analisando e discorrendo
E penetrando [...] nas essências,
Cada vez sinto mais desordenado
Meu pensamento louco e sucumbido.
Cada vez sinto mais como se eu,
Sonhando menos, consciência alerta
Fosse apenas sonhando mais profundo

Fernando Pessoa

sexta-feira, julho 10, 2015

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não cultivo conexões com o real.
Para mim, poderoso não é aquele que descobre ouro,
Poderoso para mim é aquele que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas.
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei muito emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

Manoel de Barros

quinta-feira, julho 09, 2015

Quero escrever o romance do nada. Quero mostrar a mais secreta das suspeitas humanas: a de sua própria inutilidade. Quero insinuar que a religião do trabalho, em seus valores mais altos – a arte e o poema – é também esporte. Quero esmurrar as hipocrisias.
 Júlio Cortázar

quarta-feira, julho 08, 2015

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.

 Elizabeth Bishop

terça-feira, julho 07, 2015

Uma televisão que não quer o artístico só se dirige ao público existente. 
A televisão que quer o artístico, vai buscar esse novo público.

segunda-feira, julho 06, 2015

Devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
O ódio transforma-se em tempo.
O amor transforma-se em tempo. 
A dor transforma-se em tempo. 
Os assuntos que julgamos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo. 
Mas, por si só, o tempo não é nada, a idade não é nada, a eternidade não existe.

José Luís Peixoto

domingo, julho 05, 2015

Alguns gostam de poesia. Alguns, ou seja, nem todos. nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria. Sem contar a escola, onde a poesia é obrigatória, e os próprios poetas, seriam talvez uns dois... em mil. Alguns gostam de poesia, mas também se gosta de canja de galinha. gosta-se de galanteios e da cor azul. gosta-se de um xale velho. gosta-se de fazer o que se tem vontade. gosta-se de afagar um cão. gosta-se até de poesia!... mas o que é isso, poesia? muita resposta vaga já foi dada a essa pergunta. pois eu não sei e não me agarro a isso como uma tábua de salvação.

Wislawa Szymborska