sábado, agosto 23, 2014


A verdade que assombra.
O valentão brigou com o chefe político
e então todo mundo se lembrou que ele era criminoso.
E veio ordem da Capital para prendê-lo.
Os soldados se prepararam foram 30 jagunços para acompanhá-los.
O escrivão lavrou de véspera o auto de resistência à prisão.
Mas o bandido não resistiu abobado diante dos soldados da Capital.
e entregou-se docilmente.
Mas o chefe disse que era preciso matá-lo
pois o auto já estava lavrado e assinado.
Era impossível voltar atrás....aí mataram
Ascânio Lopes

sexta-feira, agosto 22, 2014


 Foto meramente para ilustração, sem vinculo com o real

Eles me roubaram. Eles me roubaram a vida e a sorte. Eles me roubaram o gosto e o prazer. Eles me roubaram a rima e a prosa. Eles me roubaram o irmão que tanto amava. Eles me roubaram o espaço e o tempo. Eles me roubaram a arte e a educação. Eles me roubaram a espontaneidade e a simpatia. Eles me roubaram a coleção do The Police e o disco do Chico Buarque. Eles me roubaram a infância e a imortalidade. Eles me roubaram a adolescência e o sexo. Eles me roubaram os dias e as semanas. Eles me roubaram os meses e os anos. Eles me roubaram as manhãs ensolaradas e as noites chuvosas. Eles me roubaram o sentimento e a piada. Eles me roubaram o livro do Paulo Leminsk e a reportagem do Becket. Eles me roubaram aquele texto que ela tanto amava e que eu nem gostava tanto assim. Eles me roubaram a indignação e a revolta. Eles me roubaram a cor do mar e o azul do céu. Eles me roubaram a identidade e o destino. Eles me roubaram as palavras e os significados. Eles me roubaram a paz e a calma. Eles me roubaram a coragem e a espada. Eles me roubaram a casa e a cama. Eles me roubaram no jogo e no amor. Eles me roubaram na televisão e no rádio. Eles me roubaram na política e na polícia. Eles me roubaram na escola e na conta do banco. Eles me roubaram as samambaias e os lírios. Eles me roubaram a mãe e o pai. Eles me roubaram o carro e a bicicleta. Eles me roubaram o cão e o gato. Eles me roubaram a magreza e o fôlego. Eles me roubaram a decência e a inocência. Eles me roubaram o caráter e a força. Eles me roubaram o ar e o ritmo. Eles me roubaram o sangue e o suor. Eles me roubaram o esperma e o gozo. Eles me roubaram o encanto e a chance. Eles me roubaram a luz e o sono. Eles me roubaram o caderno e as páginas amarelas. Eles me roubaram as luvas e os sapatos. Eles me roubaram a luta e a vitória. Eles me roubaram a liberdade e a escolha. Eles me roubaram a caneta e o computador. Eles me roubaram os cabelos e a fala. Eles me roubaram a comida e os talheres. Eles me roubaram a gasolina. Eles me roubaram o dinheiro dos impostos. Eles me roubaram o silêncio. Eles me roubaram a boa música. Eles me roubaram a cena. Eles me roubaram a frase. Eles me roubaram o pensamento. Eles me roubaram a inteligência. Eles me roubaram a cabeça. Eles me roubaram os rins, fígado, estomago e os joelhos. Eles me roubaram a credulidade e a paciência. Eles me roubaram os sentidos. Eles me roubaram a consciência. Eles me roubaram os documentos. Eles me roubaram a beleza e o charme. Eles me roubaram no IPTU. Eles me roubaram no pedágio. Eles me roubaram o violão. Eles me roubaram a memória. Eles me roubaram a cidadania. Eles me roubaram o tabuleiro de xadrez. Eles me roubaram o altruísmo. Eles me roubaram as segundas, as terças, as quartas, as quintas, as sextas, os sábados e os domingos e também os feriados. Eles me roubaram no futebol e nas cartas. Eles me roubaram os escrúpulos. Eles me roubaram a cidade e o Estado. Eles me roubaram a Nação e na sinuca. Eles me roubaram as cartas de amor. Eles me roubaram a água. Eles me roubaram a sanidade. Eles me roubaram o sorriso e o choro. Eles me roubaram a visão e a ingenuidade. Eles me roubaram o jornal. Eles me roubaram no aluguel. Eles me roubaram o casaco e o cobertor. Eles me roubaram a saúde e o espírito. Eles me roubaram o Direito. Eles me roubaram o voto. Eles me roubaram no farol. Eles me roubaram no telefone. Eles me roubaram em Davos e em Nova York. Eles me roubaram em São Paulo e nos Campos Elíseos. Eles me roubaram na conta do bar e no supermercado. Eles me roubaram a vontade. Eles me roubaram o bilhete premiado. Eles me roubaram a passagem de volta. Eles me roubaram os anéis e os dedos. Eles me roubaram o seu amor (mesmo que por alguns instantes). Eles me roubaram a saudade. Eles me roubaram cada pedacinho de chão. Eles me roubaram em cada gesto. Eles me roubaram a naturalidade. Eles me roubaram o café e o pão (em cada migalha). Eles me roubaram a forca e o pêndulo. Eles me roubaram a felicidade. Eles me roubaram em e quase tudo, o quanto puderam. E ainda continuam roubando… 
Carlos Diaz Ramos

quinta-feira, agosto 21, 2014

Meu erro
Um ou dois poemas de sentido oculto, um galho seco de açafrão e a necessidade de ficar sóbrio sobre as cinzas. – Eis todo o meu saber.
Se me perguntarem por quê?, vou jurar que não sei, que não sou desses que sabem.
Talvez um dia eu tenha pensado conhecer os pontos cardeais, as fases da lua e frases da rua: mas o Sol é sábio e ensina todos os dias sua lição de incerteza.
Uma vez, no oco branco da noite, pensei que o amanhecer me traria pássaros fáceis e obedientes. Falhei! – O ferro quente do erro, o ferro fértil do erro.

Carlos Machado

quarta-feira, agosto 20, 2014


Ainda é cedo amor
O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas, que entram nele e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; sete atos, sete idades. Na primeira, o grito e a baba nos braços da mãe. Depois, o rosto matinal de serpente que se arrasta para escola a contragosto. O amante vem depois, fornalha acesa, celebrando as sobrancelhas da mulher desejada. Em seguida, o soldado, cheio de juras feitas sem propósito, a buscar a glória vã na boca dos canhões. Segue-se o juiz, de olhar severo e estômago cheio, impondo as sentenças e as certezas que seu papel exige. Na sexta idade o mundo é amplo demais para as pernas mirradas e o falsete da voz infantil que voltou. A última cena, remate desta trágica história, é o esquecimento, a vista falha, os dentes, o gosto, tudo, nada. 
 William Shakespeare

terça-feira, agosto 19, 2014

Vontade de voltar, vontade de voltar e guiar aquele menino desamparado.Desamparado, não dos pais e nem da grande parentela. Desamparado no que temos de mais infantilmente desamparado. Desamparado diante das sevícias do dia. Isto de cortasse nas cercas, rolava escada abaixo. Despencar dos galhos, assustar-se com os sacis. O culto atrás da porta. Entregar-se ao sono, enquanto os escorpiões passeiam sobre a fronha e lhe ameaçam os sonhos. Vontade de voltar e proteger aquele menino. Encalto menino. Dando afetos a insetos e felinos. Caminhando desatento ao vento. Seguindo a sua trilha na neblina, enquanto as cascavéis tirem os seus anéis nos coquetéis suplementos e esquinas.
Affonso Romano de Sant'Anna

segunda-feira, agosto 18, 2014

Dois Gregos
Dois gregos estão conversando, Sócrates, Parmenides?
Convém que nunca saibamos seus nomes.
A história assim será mais misteriosa e tranquila.
O tema do diálogo é abstrato, aludem a mitos dos quais ambos descrêem.
As razões que alegam podem ser ricas em falácias e não buscam o fim, não polemizam.
Não querem persuadir nem ser persuadidos.
Não pensam em ganhar ou em perder.
Estão de acordo em uma única coisa: sabem que a discussão é um caminho possível para se chegar à verdade.
Pensam ou procuram pensar.
Essa conversa entre dois desconhecidos em um lugar da Grécia antiga é o fato capital da história, porque eles esqueceram a prece e a magia. 
Jorge Luis Borges

domingo, agosto 17, 2014

Que época infeliz é essa em que vivemos, meus amigos! Está mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo!