sábado, janeiro 10, 2015

Já somos o esquecimento que seremos, a poeira elementar que nos ignora, não foi Adão e que é agora todos os homens. Nós somos apenas as duas datas: a do princípio e a do fim. Eu não sou o insensato que se aferra ao mágico som de seu próprio nome. Eu penso com esperança naquele homem que não saberá o que eu fui sobre a terra. Em baixo do indiferente azul do céu, esta meditação é um consolo.
Jorge Luis Borges

sexta-feira, janeiro 09, 2015

"Ah!”, disse o rato, “o mundo fica cada dia a dia mais estreito. Primeiro, ele era tão amplo que eu tinha medo . Eu corria sempre pra frente.Eu ficava às vezes feliz por ver finalmente ao longe muros. Muros a direita, à esquerda, mas estes longos muros rumam tão depressa um em direção ao outro que já estou na última sala, e lá no canto está a ratoeira para a qual eu corro”.
“Bem, mas você só precisa mudar de direção”, disse o gato e devorou-o.

Franz Kafka

quinta-feira, janeiro 08, 2015

Cada indivíduo tem um destino psicológico único e extraordinário. É sempre uma estrela inacessível que amamos. Mas como amar é ter medo de estar presente em todas as coisas, cada amor, em sua essência íntima, é sempre uma tragédia.
Lou Andréas-Salomé

quarta-feira, janeiro 07, 2015

Eu falo

Falo de anchietas e potiguares.
Falo de crianças vietnamitas e afegãs. 
Falo de africanos e de portugueses.
Falo dos cadáveres de Herculano e Pompéia. 
Falo de imperadores e de jesuítas, de bancários e lixeiros. 
Falo das meninas esfarrapadas das ruas...
Falo dos narcotizados das avenidas. 
Falo de brasileiros e de americanos, mas não falo do bem nem do mal. 
Falo de irlandeses e de indianos, dos meses e das horas... 
Falo dos homens, falo das meninas em primavera, de mamilos e de bocas intumescidas. Falo da carne tenra e cálida da infância.
Falo desse projeto de vida, minúscula e feminina, sempre à altura das pernas. 
Falo de verbos e falos retesados, que circundam os mais puros e sagrados espaços pequeninos do corpo. 
Falo de mulheres no fogo do outono.
Na mais obscura poeticidade, falo do mundo.

Jomard Muniz de Britto

terça-feira, janeiro 06, 2015

Os impactos de amor não são poesias
Que é poesia, o belo? Não é poesia,
E o que não é poesia não tem fala.
Nem mistério em si nem velhos nomes
Poesia são: coxas, fúria, cabala.

De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
Se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Final de Ano - Sensacional

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

domingo, janeiro 04, 2015

Vivemos num tempo de chantagem universal,
Que toma duas formas complementares de escárnio:
Há a chantagem da violência e a chantagem do entretenimento.
Uma e outra servem sempre para a mesma coisa:
Manter o homem simples longe do centro dos acontecimentos.
Ortega y Gasset