Ode aos herdeiros políticos. Ganham aos catorze anos a primeira gravata, com as cores do partido que melhor os ilude. Aos quinze, seguem a caravana. Aplaudem conforme o cenho das chefias. São os chamados anos de formação. Aí aprendem a compor o gesto, a interpretar humores, a mentir honestamente. Aprendem a leveza das palavras, a escolher o vinho, a espumar de sorriso nos dentes. Aprendem o sim e o não mais oportunos. Aos vinte anos, já conhecem pelo cheiro o carisma de uns, a menos-valia de outros, enquanto prosseguem vagos estudos de direito ou economia. Estão de olho nos primeiros cargos; é preciso minar, desminar, intrigar, reunir. Só os piores conseguem ultrapassar essa fase. Há então os que vão para os municípios, os que preferem os organismos públicos. Tudo depende de um golpe de vista ou dos patrocínios à disposição. É bem o momento de integrar as listas de elegíveis, pondo sempre a baixeza acima de tudo. A partir do parlamento, tudo pode acontecer: diretor de empresa pública, coordenador de campanha, assessor de ministro, ministro, diretor executivo, presidente da caixa, embaixador na pqp!... Mais à frente, para coroar a carreira, o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol. No final, para os mais obstinados, pode haver nome de rua (com ou sem estátuas), flores de panegírico, fanfarras e... Formol!
José Miguel Silva