sábado, maio 02, 2015

Os que tentam corrigir os males da nossa época com ideias que estão na moda – só porque estão na moda – corrigem a aparência viciada das coisas, mas não o fundo delas, que piora sempre.
Michel Eyquem de Montaigne

sexta-feira, maio 01, 2015

Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade
Mas o que eu tenho
É só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que tem mais do que precisam
Tem gente que não quer saber de trabalhar
Mas quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar p'rá casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miséria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar p'rá casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que não sabemos

quinta-feira, abril 30, 2015

É... Vou fingir que sei e acredito. E quando finjo, sou alguém. Quando não finjo, já procuro fingir. 
Lucas Lucinger

quarta-feira, abril 29, 2015



Notabilizado no teatro pelo trabalho influenciado por Brecht, ele apresentava o programa "Provocações". Ele será sepultado a partir das 17h desta terça-feira e cremado nesta quarta, 29-04-2015



Globalização o delírio do Dragão. 

terça-feira, abril 28, 2015

Quando servi o exército eu me tornei especialista em bombas. Sei fabricar qualquer tipo de bomba portátil, muito usada por terroristas. A bomba que eu estava fazendo tinha que ter efeito fulminante, para que a vítima nada sofresse. E antes da explosão, era necessário que fosse emitido um feixe de luz radiante que fizesse a vítima perceber a iminência da explosão. A pessoa que eu queria matar era o meu filho João. Minha mulher Jane estava grávida quando fui enviado ao exterior com um contingente do exército a serviço das nações unidas. Fiquei ausente cerca de dois anos. Escrevia constantemente para Jane e ela respondia. Quando o meu filho nasceu e recebeu o nome de João, as cartas de Jane ficaram bem estranhas. Ela dizia que precisava falar comigo uma coisa muito séria, mas não sabia como. Eu respondia impaciente para ela dizer de qualquer maneira, mas ela persistia na falta de clareza, que cada vez piorava mais. Afinal, Jane deixou de responder minhas cartas. Quando voltei da missão da ONU, corri para casa assim que desembarquei no aeroporto. Jane abriu a porta para mim. Seu aspecto me surpreendeu. Estava envelhecida, pálida, parecia doente. “Onde está o João?”, perguntei. Jane começou a chorar convulsivamente, apontando a porta do quarto onde ele estava. Entrei no quarto, seguido de Jane. João estava deitado no berço, um menino lindo, que a meu ver deu um sorriso. Peguei-o no colo. Então, tive uma surpresa que me deixou atônito. João só tinha uma perna e um braço, eram os únicos membros que possuía. Jane estendeu-me um papel, todo amassado, uma receita médica onde estava escrito: esta criança sofre de focomelia, uma anomalia congênita que impede a formação de braços e pernas. Jane cuidava do João com o maior cuidado e com grande carinho. Mas ela definhava cada vez mais e morreu quando João tinha seis anos. Eu dei baixa no exército para poder cuidar do meu filho. Quando eu perguntava se ele queria alguma coisa, ele dizia “eu quero ir para a guerra”. Sua deficiência física se agravava com a idade. Ele tinha 15 anos, mas não podia andar, estava impossibilitado de exercer as mínimas atividades físicas. “eu quero ir para a guerra, papai”, ele pediu mais uma vez. Então decidi que ele iria à guerra. Foi quando preparei a bomba. Com a bomba na mão eu disse: “meu filho, você foi convocado para ir à guerra”. “Obrigado, meu pai querido, eu te amo muito”. Eu o amava mais ainda. Coloquei a bomba na sua mão. “Essa bomba vai explodir. É a guerra”, eu disse. “É a guerra”, ele repetiu feliz. Saí do quarto onde estava. Pouco depois vi o clarão. João também viu esse clarão, feliz, antes da bomba explodir, matando-o. Eu amava o meu filho.
Rubem Fonseca

segunda-feira, abril 27, 2015

Eu cheguei ao limite de minhas capacidades intelectuais
Eu percebo que poderei perdê-las a qualquer momento
Além disso, eu perdi muita gente querida, amigos e parentes
Eu, que tive uma atividade de reflexão, estudo e ensino, rodeado de pessoas que amava, eu me vejo cada vez mais solitário
Quando vivemos uma crise assim, a sabedoria vai embora e perdemos o rumo de nossas reflexões
De que valeram os 31 livros que eu publiquei. O que  sobra de tudo que a gente aprendeu no momento limite. Eu sai a procura de um tipo de sabedoria que me ajudasse a suportar a velhice. Compreendê-la com serenidade
Eu só encontro consolo quando eu recito baixinho, para mim mesmo, os poemas que sei de cor
A repetição é uma forma arcáica de conhecimento, mas é eficaz, quando se vive num momento de domínio da tecnologia e do consumismo
É repetindo esses poemas que eu aprendo coisas importantes sobre mim próprio

Harold Bloom

domingo, abril 26, 2015

E se nada acontecer?
Se os rostos deformados e os sentidos mendigos, os olhos famintos e as mãos que interrogam, a carne que sangra e afoga os desejos;
se tudo isso se transformar em cinza e ausência e a dúvida acenar ainda?
E se o silêncio pesar sobre o grito de angústia, se a esfinge recolher seu sorriso transfigurado, se todos os sonhos forem abortados... e se nada acontecer? E se tudo isso não tiver a menor importância?

Antônio Pinto de Medeiros Filho