Quando servi o exército eu me tornei especialista em bombas. Sei fabricar qualquer tipo de bomba portátil, muito usada por terroristas. A bomba que eu estava fazendo tinha que ter efeito fulminante, para que a vítima nada sofresse. E antes da explosão, era necessário que fosse emitido um feixe de luz radiante que fizesse a vítima perceber a iminência da explosão. A pessoa que eu queria matar era o meu filho João. Minha mulher Jane estava grávida quando fui enviado ao exterior com um contingente do exército a serviço das nações unidas. Fiquei ausente cerca de dois anos. Escrevia constantemente para Jane e ela respondia. Quando o meu filho nasceu e recebeu o nome de João, as cartas de Jane ficaram bem estranhas. Ela dizia que precisava falar comigo uma coisa muito séria, mas não sabia como. Eu respondia impaciente para ela dizer de qualquer maneira, mas ela persistia na falta de clareza, que cada vez piorava mais. Afinal, Jane deixou de responder minhas cartas. Quando voltei da missão da ONU, corri para casa assim que desembarquei no aeroporto. Jane abriu a porta para mim. Seu aspecto me surpreendeu. Estava envelhecida, pálida, parecia doente. “Onde está o João?”, perguntei. Jane começou a chorar convulsivamente, apontando a porta do quarto onde ele estava. Entrei no quarto, seguido de Jane. João estava deitado no berço, um menino lindo, que a meu ver deu um sorriso. Peguei-o no colo. Então, tive uma surpresa que me deixou atônito. João só tinha uma perna e um braço, eram os únicos membros que possuía. Jane estendeu-me um papel, todo amassado, uma receita médica onde estava escrito: esta criança sofre de focomelia, uma anomalia congênita que impede a formação de braços e pernas. Jane cuidava do João com o maior cuidado e com grande carinho. Mas ela definhava cada vez mais e morreu quando João tinha seis anos. Eu dei baixa no exército para poder cuidar do meu filho. Quando eu perguntava se ele queria alguma coisa, ele dizia “eu quero ir para a guerra”. Sua deficiência física se agravava com a idade. Ele tinha 15 anos, mas não podia andar, estava impossibilitado de exercer as mínimas atividades físicas. “eu quero ir para a guerra, papai”, ele pediu mais uma vez. Então decidi que ele iria à guerra. Foi quando preparei a bomba. Com a bomba na mão eu disse: “meu filho, você foi convocado para ir à guerra”. “Obrigado, meu pai querido, eu te amo muito”. Eu o amava mais ainda. Coloquei a bomba na sua mão. “Essa bomba vai explodir. É a guerra”, eu disse. “É a guerra”, ele repetiu feliz. Saí do quarto onde estava. Pouco depois vi o clarão. João também viu esse clarão, feliz, antes da bomba explodir, matando-o. Eu amava o meu filho.
Rubem Fonseca