sábado, maio 30, 2015
sexta-feira, maio 29, 2015
O salto mortal é meu número especial nesta tarde de domingo.
Não tentarei o trapézio, por não saber voar sobre as cabeças que torcem para a corda arrebentar.
Pensando bem, abrirei a tarde falando ao respeitável público que farei a mágica final: desaparecer sem nunca ter sido visto por ninguém.
Não tentarei o trapézio, por não saber voar sobre as cabeças que torcem para a corda arrebentar.
Pensando bem, abrirei a tarde falando ao respeitável público que farei a mágica final: desaparecer sem nunca ter sido visto por ninguém.
Álvaro Alves de Faria
quinta-feira, maio 28, 2015
Ensinar
Nós vamos ensinar a você o fervor.
Nossos atos se prendem a nós,
como ao fósforo sua luz.
Nos consome
é verdade,
mas fazem nosso esplendor.
E se nossa alma valeu alguma coisa
é por ter ardido mais intensamente do que outras.
Vamos ensinar a você o fervor.
Uma existência patética.
Não a tranquilidade.
Ser tranquilo é ser trágico.
Eu não almejo outro repouso que o sono da morte.
Espero depois de ter exprimido nesta terra
tudo que havia em mim.
Satisfeito morreu completamente.
Desesperado por fazer ainda mais.
Nossa vida há de ser diante de nós
como um copo de água gelada.
O copo úmido nas mãos de quem
tem febre e quer beber,
e bebe tudo de uma vez.
Sabendo que devia guardar,
mas não podendo tirar dos lábios o copo delicioso.
Tão fresca é a água
e tão apaziguadora da sede.
André Gide
Nós vamos ensinar a você o fervor.
Nossos atos se prendem a nós,
como ao fósforo sua luz.
Nos consome
é verdade,
mas fazem nosso esplendor.
E se nossa alma valeu alguma coisa
é por ter ardido mais intensamente do que outras.
Vamos ensinar a você o fervor.
Uma existência patética.
Não a tranquilidade.
Ser tranquilo é ser trágico.
Eu não almejo outro repouso que o sono da morte.
Espero depois de ter exprimido nesta terra
tudo que havia em mim.
Satisfeito morreu completamente.
Desesperado por fazer ainda mais.
Nossa vida há de ser diante de nós
como um copo de água gelada.
O copo úmido nas mãos de quem
tem febre e quer beber,
e bebe tudo de uma vez.
Sabendo que devia guardar,
mas não podendo tirar dos lábios o copo delicioso.
Tão fresca é a água
e tão apaziguadora da sede.
André Gide
quarta-feira, maio 27, 2015
Tudo é novo pra quem é novo. Não ceder ao hábito, que é usura progressiva; e tudo se torna poeirento e cinza, tudo se torna igual ao que somos, tudo se parece e se repete, porque nós nos parecemos e nos repetimos. Seria preciso o homem se acrescentasse à criança, sem ela desprender-se, que a criança subsistisse dentro do homem, que fosse uma base para a construção de acréscimos sucessivos - que não a destruíssem, como acontece. Não basta ser apenas um primitivo, mas é preciso ser também um primitivo. Permanecer "primeiro" em presença das coisas primeiras: elementar diante do elementar; ser capaz de, sempre, transformar-se e não apenas ser: não imóvel, mas em movimento, em meio ao que é móvel; em contato incessante com o que transforma, transformando-se a si próprio, como a criança, entregue totalmente ao exterior, mas com esse retorno a si mesmo, que a criança não tem, em direção a um interior onde se recolhem e se ordenam as coisas.
Charles Ferdinand Ramuz
terça-feira, maio 26, 2015
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
segunda-feira, maio 25, 2015
Meu ofício, minha arte, é viver; quem me censura por falar de mim, da minha vida, dos meus próprios sentimentos, que vá proibir um arquiteto referir-se às suas próprias construções. Eu me mostro por inteiro, como uma peça anatômica, cujas veias, músculos, tendões, são visíveis em seus lugares, mas as pulsações e o que se passa dentro de mim, esses são eu mesmo. É sobre eles que falo, sobre a minha essência.
domingo, maio 24, 2015
A primeira provocação
A primeira provocação ele aguentou calado.
Na verdade, gritou e esperneou.
Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas.
Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas.
E não como ele, numa
toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação
que lhe deram, depois do leite da mãe.
Uma porcaria.
Não reclamou porque não
era disso.
Outra provocação foi perder a metade dos
seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo.
Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram lhe provocando por toda a vida.
Não pode ir a escola porque tinha que
ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.
Na cidade, para aonde teve que ir com a
família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em
barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um
barraco pior. Ficou firme.
Queria um emprego, só conseguiu um
subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher.Tiveram subfilhos.
Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam lhe provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a
roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar de uma tal reforma agrária.
Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não
era outra provocação, era uma boa.
Terra era o que não faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma
agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo
ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a
reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou.
Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a
aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era
bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou.
Na décima milésima provocação, reagiu. E
ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
- Violência, não!
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