sábado, dezembro 20, 2014

Especular sobre os devaneios das outras pessoas sempre vai te fazer pequeno. Pensar, simples e involuntariamente, já esmaga muito do que você acredita, criando outras certezas que serão esmagadas um pouco depois.
É difícil acreditar em algo que exponha o que você realmente é. É difícil, impossível, ser uma coisa só. Talvez por isso algumas pessoas falem pouco, valorizando o poder do silêncio.
Talvez por isso algumas pessoas falem e riam tanto, mostrando a coragem que querem mostrar que tem, de ser... Seja lá o que for.
Mentimos pra nós mesmos, muitas vezes, só para nos convencermos de que somos tal coisa, de que nunca mudamos ou de que agora somos totalmente diferentes.
A verdade é que a nossa existência depende essencialmente da existência dos outros.
Nós somos tudo o que vimos, tudo do que gostamos, tudo o que fizemos e que normalmente não faríamos. Nós somos aquele calafrio que se sente por alguém com quem você nunca conversou e que nem faz seu tipo, aquela alegria que vem sem explicação, durante o dia mais sem graça, o envolvimento com as personagens de um livro.
Ser é como amar, como ter esperança, essas coisas que não dão pra tocar e das quais a gente vive apanhando.
Thiago Cunha

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Devagar, o tempo transforma tudo em tempo. O ódio transforma-se em tempo. O amor transforma-se em tempo. A dor transforma-se em tempo. Os assuntos que julgamos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo. Mas, por si só, o tempo não é nada, a idade não é nada, a eternidade não existe.

José Luís Peixoto

quinta-feira, dezembro 18, 2014


Todo o meu esforço canalizo para a vida. Não para o equilíbrio, não para as certezas. Sigo suportando nas costas todo o peso da desesperança, pois que a esperança, é ridículo, dramático, que a humanidade ainda precise dela.
Esperança em quê? Em remédios que curem?... Em poemas que se dão de mão em mão? E as cartas sem resposta? E os becos sem saída? E a nova hipocrisia?
E o deus-dinheiro que nos espreita a cada esquina?... E a África? E a América Latina?...
E todas essas universidades e tantos analfabetos?...
Toda gente sabe a extensão da verdade: surpreendendo a paisagem esfomeada, o gatilho já não precisa do dedo de ninguém.
José Luis Peixoto

quarta-feira, dezembro 17, 2014


Familia - Quem tem Razão

Buscar harmonia é muito difícil, nem sempre faço o que quero, ou seja, faço mas as pessoas não acham que, o que eu fiz foi o certo....
Hoje acordei, sai sem compromisso, andando na avenida São João tentando não pisar nas fezes e o lixo que se acumula no centro velho, velho centro entregue a aventureiros que querem o poder... pensando se a vida fosse ...não... não vou desviar do assunto, família...
A mãe faz tricô
O filho vai à guerra
Acha isso tudo muito natural, a mãe
E o pai que faz o pai?
Faz Negócios
A mulher faz tricô
O filho luta na guerra
Ele negócios
Acha isso tudo muito natural, o pai
E o filho e o filho
o quê que o filho acha?
Nada absolutamente nada acha o filho
Acham isso muito natural, o pai e a mãe
Quer dizer,

O comércio não conhece a morte.

Jacques Prévert

terça-feira, dezembro 16, 2014

"Feminina"


Eu queria ser mulher para poder me estender ao lado dos meus amigos, nos cafés.
Eu queria ser mulher para poder passar pó de arroz pelo meu rosto diante de todos, nos cafés.
Eu queria ser mulher para não ter que pensar na vida...
Conhecer muitos velhos, a quem eu pedisse dinheiro.
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro falando de modas, fazendo fofocas, muito entretida.
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios, aguçá-los ao espelho antes de me deitar.
Eu queria ser mulher para que me fosse bem todos esses ílios.
Esses ílios que no homem, francamente não se pode desculpar.
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes, e enganá-los, a todos, mesmo ao predileto.
Como eu gostaria de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto, o mais bonito.
Enganá-lo com um rapaz gordo, feio e de modos extravagantes.
Eu queria ser mulher para excitar quem me olha-se.
Eu queria ser mulher para poder me recusar.
  Mário de Sá-Carneiro

segunda-feira, dezembro 15, 2014


Há algo de suicida na maneira em que nós, humanos, tratamos as crianças. Nós a deixamos estacionadas na frente do televisor para que engulam horas e horas de programas estúpidos e de violência gratuitas.

elas saem imaturas e inadaptáveis para a nossa sociedade.
As crianças são o pedaço mais frágil desta sociedade que temos. São as primeiras a morrer de fome. As mais maltratadas pelas guerras. Nós as escravizamos, a torturamos, a prostituímos.
Independente do horror e da indecência que isto pressupõe, nós estamos construindo um futuro de monstros. Este inferno deixa pegadas que não desaparecem.

domingo, dezembro 14, 2014


Esbarram em mim, nem noto. 
Eu vejo pelas costas: mulato alto, roupas gastas, mas moda jovem. Cabelo rente, boné. Ele correu ao perceber alguém do outro lado da rua. Um branco, classe média, os dois com 17 anos. Talvez colegas no curso pré-vestibular ali perto. Sem dúvida, amigos. Mulato e branco, o Brasil. E ali, mais que o Brasil, o homem. Falam-se com uma felicidade que acende um ao outro. E essa felicidade acende até a mim. Tem tudo para se dizer e não podem parar de sorrir, desde que se viram. Eu também sorrio, sem intenção, pelo que sentem sem precisar saber que na amizade está a vida.