sábado, novembro 01, 2014

A verdade....só a verdade
Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Essa deve ser a linguagem do poeta.
Linguagem de aços exatos, de relâmpagos afiados, de agudos incansáveis, de navalhas reluzentes.
Uma dentadura que triture o eu-tu-ele-nós-vós-eles.
Um vento de punhais que desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as fábricas, as academias, os cartórios, as delegacias, os bancos, as amizades, as tabernas, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, a esperança, as verdades... a verdade!

sexta-feira, outubro 31, 2014

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos

quinta-feira, outubro 30, 2014

Para o momento é  o que temos
Não sonhem com governos, sociedades e civilizações em que o planejamento esteja acima de tudo. Quanto mais o homem planificar a sua atuação, mais facilmente será atropelado pela casualidade.
Friedrich Dürrenmatt

quarta-feira, outubro 29, 2014

A vida e a carne
No açougue do outro lado da rua, no que pensa o açougueiro enquanto corta a carne? É o que tentam adivinhar, embevecidos, os alunos de filosofia, através da janela aberta da sala de aula. À pergunta do professor, o aluno sentimental responde: pensa na mulher e nos filhos. O aluno rebelde grunhe com ironia: pensa nos cães e nos gatos que não têm nada para comer. O aluno ambicioso encolhe os ombros e, pragmático, afirma: pensa no lucro com a carne dos animais ainda não abatidos. E o aluno romântico dispara, sem enganos: pensa nas flores e no mar!... O professor enfileira as respostas e todos os alunos engordam com a certeza: agora sabem no que pensa o açougueiro enquanto corta a carne!
Radomir Andric

segunda-feira, outubro 27, 2014

Tempos de não 
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, a fome, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação. 

Carlos Drummond de Andrade

domingo, outubro 26, 2014

Opinião do Blogueiro

O texto de foi publicado hoje é sim um quadro do Brasil e mostra como a nossa Democracia não garante a vontade da maioria e não defende as minorias.
As leis são complicadas e o cidadão comum obrigatoriamente tem que fazer uso de um advogado para usufruir dos seus direitos.
A justiça é  morosa e quem disse foi o ministro do TSF Nelson Jobim, além de cega. 
Não vou ficar aqui relatando os inúmeros problemas que o Brasil tem e sim lutando para um futuro melhor.

Um forte abraço.
Podemos chamar de Brasil
Oleg Svinorg foi o único náufrago que conseguiu chegar à terra firme. O navio afundara ao lago e todos se afogaram somente Oleg, um gigante de dois metros de altura teve forças para nadar até a praia. E ele nem sabia que praia era, um náufrago se salva em qualquer pedaço de terra. Encontrou desolação a sua volta, campos cobertos de capim, rios apodrecidos e em toda parte miseráveis que nem puderam socorrê-lo porque estavam mais famintos e desesperados do que Oleg. Perguntou se havia alguma coisa equivalente a um poder naquela ilha. Não exatamente um governo, mas uma comissão qualquer que cuidasse de melhorar as condições em que todos viviam. Sim, sim, claro. Havia uma comissão de notáveis que trabalhavam dia e noite para reformar o que fosse preciso. Aí sim a ilha conheceria a prosperidade que todos desejavam. Oleg procurou saber onde se reuniam os salvadores da ilha. Foi lá e viu umas quinhentas pessoas discutindo se no país em dificuldade a taxa de câmbio deveria ser super ou inferior a 6,2%, se os maiores a 60 anos teriam direito ao redutor de 25% acrescido pelo coeficiente do tempo de serviço, embora não houvesse serviço algum naquela ilha. Um pequeno grupo escrevia tudo o que era discutido e comunicava o de tempos em tempos essa novidade ao resto da ilha, mas ninguém entendia como iam ficar as coisas e dava tudo na mesma. O mais importante que inflamava corações e mentes era a taxa de juros. Estava altíssima e havia uma turma que achava a inflação pior do que a fome e o desemprego que atingia a todos. Para combatê-la, os juros deveriam ser aumentados disciplinando o consumo porque ninguém consumia nada. Oleg ouviu tudo e entendeu pouco, mas o bastante para atirar-se de volta as ondas e nadar em busca de outra praia.
Carlos Heitor Cony