A primeira
provocação ele aguentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os
bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por
especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação
foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não
reclamou porque não era disso.
Outra
provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de
atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram lhe
provocando por toda a vida.
Não pode ir
a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe
tiraram a roça.
Na cidade,
para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado.
Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde
não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.
Queria um
emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher.
Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a
ajuda não ajudava.
Estavam lhe
provocando.
Gostava da
roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar
de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe
dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.
Terra era o
que não faltava.
Passou anos
ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca
tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era
provocação. Mais uma.
Finalmente
ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida.
Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse
conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais
disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que
a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano...
Então protestou.
Na décima
milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem,
horrorizadas com ele:
- Violência,
não!
Luis Fernando Veríssimo