sábado, agosto 01, 2015

sexta-feira, julho 31, 2015

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswald de Andrade

quinta-feira, julho 30, 2015

Eu escrevi um dia que a cólera dos imbecis encheria o mundo. O mundo está pela boca.
Ao prever esse dilúvio, eu errei somente em falar de imbecis como se eu fosse o que eles chamam de um homem de espírito.
Meu erro, meu erro mais grave, foi que jamais pensei em sacrificar a massa de imbecis à fúria fratricida do que sobra do último resíduo desse povo estranho, desse povo irredutível, invencível. O resíduo, ou antes, a vã espuma dos imbecis refinados, cultos, dos imbecis de luxo que são degenerados. A imbecilidade me aparecia como uma reação natural de defesa.
De geração em geração, os imbecis se acostumaram a compreender equivocadamente, ou a não compreender nada. Talvez os primeiros se contentassem em parecer imbecis.
Os primeiros imbecis talvez fizessem cara de acreditar em tudo que diziam os poderosos, os dignos, os puros. Depois os outros acreditam de verdade, cegamente como sincero, que o piedoso e o justo, quem quer que se apresentasse oficialmente como tal, de somente mudar de opinião com autorização do interessado, certificado diante de um tabelião que ele não era sincero, nem verídico, nem piedoso e nem  justo.
Abujamra

quarta-feira, julho 29, 2015

Vem, Noite antiquíssima e idêntica, 
Noite Rainha nascida destronada, 
Noite igual por dentro ao silêncio.
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar. 
Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Das Tristezas dos Desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de água sobre os lábios secos e cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte vívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que seja talvez o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando em tudo... 
Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E sorriste porque tudo te é falso e inútil. 
Vem, Noite silenciosa e estática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração... 
 Álvaro de Campos

terça-feira, julho 28, 2015

A mulher de um artista deve também ser um gênio. E poder reunir nela sozinha uma dúzia de mulheres.
É preciso que ela saiba dissimular sua tristeza, quando ele coloca um muro de gelo na frente de sua ternura.
E se alguém chamá-la, claro, ela fica sem recursos, mas pouco importa. O artista só ama a sua arte, o que faz dele um egoísta. Mas um egoísta nobre. Ele esquece tudo que possa atrapalhar a sua arte, não suporta que cheguem até ele, não suporta que o acompanhem. Ele está sempre criando, e sempre sob tensão. Não quer ninguém ligado a ele, não quer absolutamente nada, mesmo que seja um momento muito terno.
É preciso deixá-lo fazer o que ele quer fazer sem jamais perguntar a razão. Não esperar nada, dar tudo, se calar quando ele estiver de mau humor e segui-lo quando ele estiver iluminado.
Última coisa: ama-lo de todo coração e não existir para si mesmo, ele não mudará nunca.

segunda-feira, julho 27, 2015

Os sábios geralmente morrem loucos.
Os tolos morrem sufocados pelos conselhos.
Morre-se de idiotice quando se raciocina demais.
Alguns morrem por sentir tudo,
Outros morrem por não sentir nada.
Alguns são tolos porque não morrem de sentimento,
E outros são tolos porque morrem de sentimento.
É bobagem sucumbir por excesso de inteligência.
Alguns morrem por entender tudo,
E outros vivem por não entender nada.
Embora muitos morram de tolice,
Poucos tolos chegam a morrer de fato,
Pois poucos começaram a viver

Baltasar Gracián

domingo, julho 26, 2015


LEVEZA

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.   

Cecilia Meireles