Texto de ontem 1926, mas serve muito para hoje.
Eu ouço as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos de outro Brasil que vem aí
mais tropical mais fraternal mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil Lenhador, lavrador, pescador, vaqueiro, marinheiro, funileiro, carpinteiro contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil, ouvidos para ouvir pelo
Brasil coragem de morrer pelo Brasil ânimo de viver pelo Brasil mãos
para agir pelo Brasil mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos
Brasis mãos de engenheiro que lidem com tratores europeus e
norte-americanos a serviço do Brasil mãos sem anéis (que os anéis não deixam o
homem criar nem trabalhar).
mãos livres, mãos criadoras, mãos fraternais de todas as cores mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos, sem Irineus, sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores nem de especuladores nem de
mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores, pretas, brancas, pardas, roxas,
morenas, de artistas, de escritores, de operários, de lavradores, de
pastores de mães criando filhos, de pais ensinando meninos de padres
benzendo afilhados de mestres guiando aprendizes de irmãos ajudando irmãos mais
moços de lavadeiras lavando de pedreiros edificando de doutores
curando de cozinheiras cozinhando de vaqueiros tirando leite de vacas
chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras brancas, morenas, pretas, pardas, roxas tropicais
sindicais fraternais.
Eu ouço as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos desse
Brasil que vem aí.
Gilberto Freyre
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