segunda-feira, outubro 27, 2014

Tempos de não 
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, a fome, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação. 

Carlos Drummond de Andrade

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