Eu dou esmola a bêbado, eu me emociono com beijo de novela e morro de inveja das coxas da Madonna. Eu acredito em fidelidade conjugal, tesão sem prazo de validade. Eu acredito que dinheiro não traz felicidade, o importante é competir, o fracasso é pedagógico, beleza não põe a mesa, dias melhores virão e o que passou, passou. Tem pílula que emagrece dormindo, creme que tira ruga na primeira passada, arte e democracia emanam do povo e em seu nome são exercidas. Muito em breve não haverá mais um só analfabeto em todo o território nacional, não haverá uma só menina vendendo o corpo pra comprar cocada, um só recém-nascido morto em berçário ou casebre, um único velho maltratado, não haverá tortura nas delegacias, na delegacia tortura será coisa dos anais da história, acredito no fim da miséria, da arrogância e do desprezo. Que fechando os olhos eu acredito que a dor passa, o telefone toca e o amor chega. E todos os homens que batem em mulher serão ridicularizados em público e terão seus nomes publicados em dossiês municipais e até bairro a bairro, em caso de megametrópole é assim que vai ser. Acredito no que me ensinaram a acreditar e no que me desensinaram também. No que foi prometido e no que não foi. No que se cumpriu e no que ficou na intenção ou nem isso. Eu acredito no que quero, quando quero e só se quero. Porque cínica ou crédula no meu coração mando eu. E mais do que tudo acredito no que me ensinou o maestro Mignone no primeiro dia de aula de canto orfeônico: se a gente canta o hino nacional com a mão no coração, a pátria mãe será sempre gentil e jamais nos deixará ao desamparo.
E só falo sonhos quando eu acredito.
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