Estou sendo roubado.
Quero contar ao mundo que estou sendo roubado.
De mil formas e modos estou sendo roubado.
Sei que os ladrões me roubam por necessidade, ou quero crer que me roubem por necessidade. É doído demais pensar que são ladrões vulgares que roubam já por hábito ou simples vocação, que estão acostumados, que já se acomodaram, que me tomam por fraco ou indefeso (na verdade, sou fraco e indefeso).
Esses ladrões se valem da distância e da surpresa, de aleivosia e de noturnidade.
É um crime hediondo porque premeditado. Roubam-me porque crêem que tenho mais do que eles. Coisa, aliás, que às vezes é verdade.
Estamos sendo todos fartamente roubados.
Quadrilhas nascem como pés de alface. Passaram os pedintes a gatunos, passaram os larápios a assaltantes.
Se inquiridos, enganam.
Se interrogados, mentem.
São capazes até de devolver-te a culpa.
Passei a ser refém dos meliantes. Ameaçam sorrindo com os seus dentes brancos, dizem que passam fome e ostentam suas armas. E se não pagas, matam a quem seqüestram (que também, pode ser, é seu assecla.)
Quero que saibam todos: a miséria, a indolência, os becos sem saída, os cortiços de barro, os antigos solares com árvores gigantes, os plátanos, os caldos, as raízes.
Come quem pode. Os machetes já estão embainhados.
Mas também dos palácios saem gatunos. Organizam-se todos, falam celulares, trepidam os anexos, sacodem-se os andares. Sacerdotes ministram, ministros se refazem. Vêm também das montanhas e dos verdes mares, sobretudo em carríssimos blindados, com os seus ternos claros e gravatas, principalmente das florestas, pobres delas, também das praias, das cidades e das praças, de avenidas, à beira-mar plantadas, onde à noite pululam namorados (onde se pode eventualmente ser roubado), como num baile, como num parque, como em um banco de estado.
cuidado, cavalheiros, estais sendo roubados. se não sois os ladrões, estais sendo roubados. também, por outro lado, se os sois, mas descuidados...
dolorido e cansado, como se em minha mão estivesse uma chave abrindo a casa de antes, onde as mães dominavam. as mães, essas matronas que, ensinadas, ensinavam e só pariam filhos que pudessem guardar.
Que não se esqueça a praça e os meus amigos ouçam: estou sendo roubado. Pouco importa o motivo: importa o lucro líquido, a casa com adornos mais ou menos ridículos, o dinheiro do taxi, o dinheiro do lixo, o dinheiro da roupa e o da gasolina, o dinheiro pessoal. Em pleno socialismo, os ideais perdidos, os ideais perdidos...
E estou sendo roubado de uma esperança antiga de supor que era lícito ser limpo, de supor que era certo a um compromisso responder com cumpri-lo, de lições muito antigas de fenianos e de democratas. Quando era o carnaval, o tempo de viver desordem transitória, quando beber era uma alegria própria e o perfume dos bailes era só perfume. Os democratas...
Estou sendo roubado, enfim, de ser, de estar, de minha morte certa e indisponível, dos meus dentes na cova e os bronzes dos sepulcros (perdoai-me o mau gosto e os mais tumultos) e os relógios de pulso.
Senador, ditador, senhor, onde o esconso do maior escondido deste mundo?
Quero contar ao mundo que estou sendo roubado.
De mil formas e modos estou sendo roubado.
Sei que os ladrões me roubam por necessidade, ou quero crer que me roubem por necessidade. É doído demais pensar que são ladrões vulgares que roubam já por hábito ou simples vocação, que estão acostumados, que já se acomodaram, que me tomam por fraco ou indefeso (na verdade, sou fraco e indefeso).
Esses ladrões se valem da distância e da surpresa, de aleivosia e de noturnidade.
É um crime hediondo porque premeditado. Roubam-me porque crêem que tenho mais do que eles. Coisa, aliás, que às vezes é verdade.
Estamos sendo todos fartamente roubados.
Quadrilhas nascem como pés de alface. Passaram os pedintes a gatunos, passaram os larápios a assaltantes.
Se inquiridos, enganam.
Se interrogados, mentem.
São capazes até de devolver-te a culpa.
Passei a ser refém dos meliantes. Ameaçam sorrindo com os seus dentes brancos, dizem que passam fome e ostentam suas armas. E se não pagas, matam a quem seqüestram (que também, pode ser, é seu assecla.)
Quero que saibam todos: a miséria, a indolência, os becos sem saída, os cortiços de barro, os antigos solares com árvores gigantes, os plátanos, os caldos, as raízes.
Come quem pode. Os machetes já estão embainhados.
Mas também dos palácios saem gatunos. Organizam-se todos, falam celulares, trepidam os anexos, sacodem-se os andares. Sacerdotes ministram, ministros se refazem. Vêm também das montanhas e dos verdes mares, sobretudo em carríssimos blindados, com os seus ternos claros e gravatas, principalmente das florestas, pobres delas, também das praias, das cidades e das praças, de avenidas, à beira-mar plantadas, onde à noite pululam namorados (onde se pode eventualmente ser roubado), como num baile, como num parque, como em um banco de estado.
cuidado, cavalheiros, estais sendo roubados. se não sois os ladrões, estais sendo roubados. também, por outro lado, se os sois, mas descuidados...
dolorido e cansado, como se em minha mão estivesse uma chave abrindo a casa de antes, onde as mães dominavam. as mães, essas matronas que, ensinadas, ensinavam e só pariam filhos que pudessem guardar.
Que não se esqueça a praça e os meus amigos ouçam: estou sendo roubado. Pouco importa o motivo: importa o lucro líquido, a casa com adornos mais ou menos ridículos, o dinheiro do taxi, o dinheiro do lixo, o dinheiro da roupa e o da gasolina, o dinheiro pessoal. Em pleno socialismo, os ideais perdidos, os ideais perdidos...
E estou sendo roubado de uma esperança antiga de supor que era lícito ser limpo, de supor que era certo a um compromisso responder com cumpri-lo, de lições muito antigas de fenianos e de democratas. Quando era o carnaval, o tempo de viver desordem transitória, quando beber era uma alegria própria e o perfume dos bailes era só perfume. Os democratas...
Estou sendo roubado, enfim, de ser, de estar, de minha morte certa e indisponível, dos meus dentes na cova e os bronzes dos sepulcros (perdoai-me o mau gosto e os mais tumultos) e os relógios de pulso.
Senador, ditador, senhor, onde o esconso do maior escondido deste mundo?
Sobre o autor: Renata Pallottini
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